O modelo da casa gandaresa levou cinco séculos a amadurecer e a apurar-se, sem interferências de outras culturas que o descaracterizassem, salvo as influências de tradição mourisca e a incorporação de elementos renascentistas, que lhe acrescentou encanto e elegância. Deixando adivinhar a vida sóbria e serena do campo é ela fruto duma sólida sabedoria, conformada em sucessivas gerações, e duma relação harmónica e feliz com a paisagem e os elementos.
A casa gandaresa encontra remota filiação na casa árabe ou mourisca. À arquitectura do granito, que se desenvolve em altura, o sul contrapõe um espaço térreo, organizado em planta centrada, aberto para o interior, recorrendo a alvenarias de terra crua e cozida. É portanto uma casa-pátio, de nítida filiação árabe, cujos materiais originários seriam o adobe, a telha caleira e a madeira de pinho. Parece haver, no entanto, no pátio gandarês, um remoto eco dos espaços interiores romanos, sobretudo da casa rural romana, e que se viram revividos nos claustros românicos de grande número de conventos.
Revitalizar a construção em adobe, ou pelo menos em técnica mista de adobe e cimento, este nos pilares e vigas, traria não apenas o usufruto de espaços mais agradáveis mas também a vantagem economica do menor custo dos materiais utilizados.
A casa integra-se na paisagem e quase se funde com ela. Daí que passe muito despercebida. A casa é como quem a habita: humilde, serena, integrada, funcinal e feliz.
A construção em adobe, de tradição ancestral, produziu em si, em termos sociológicos, uma contradição aparentemente insanável. Se os nossos antepassados apreciavam a construção em terra pelo seu carácter confortável e quente, maternal e protector, puro e consonante com a terra a que se sentiam ligados, mais recentemente, as gentes, sobretudo as mais desprotegidas, sentem-se nela presas e envergonhadas, como num arcaismo que se lhes afigura obstáculo às aspirações sociais de consumo, ostentação e afirmação, em subserviência às imagens materiais do progresso moderno.
Um olhar mais atento para com este fascinante modo de habitar revela-nos um tesouro que se vai desvendando, mas que se sabe fugaz, pois, qual espécie em vias de extinção, dentro de anos não restará de pé um único exemplar, redundando em perda de memória e dum património colectivo que, pese embora a sua despojada aparência, guarda uma enorme riqueza que se vai dissipando.
Esperamos pois que, através dum empenhamento colectivo e convergente, se possam vir a preservar pelo menos os exemplares mais significativos dessa arquitectura tão serena, que transporta em si uma beleza intensamente discreta, e que, tal como a vida, é efémera e ternamente frágil.
Por Paulo Frade